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Os temas referentes a autonomia da vontade e da liberdade contratual na atividade empresarial desafiam algumas questões básicas, que se consubstanciam em verdadeiros pressupostos para análise do assunto. Questões, sobretudo, diretamente ligadas a livre iniciativa, a liberdade empresarial – que abrangem a liberdade contratual – no contesto do princípio da dignidade da pessoa humana.
Os temas referentes a autonomia da vontade e a liberdade contratual na atividade empresarial desafiam algumas questões básicas que se consubstanciam em verdadeiros pressupostos para análise do assunto. Questões, sobretudo, diretamente ligadas a livre iniciativa e a liberdade empresarial – que abrangem a liberdade contratual – no contesto do princípio da dignidade da pessoa humana, especialmente ao se cogitar eventual relação de hipossuficiência na relação jurídica contratada. Não obstante, embora a dignidade da pessoa humana seja um dos bens mais preciosos tutelados pelo direito, há de se refletir que a liberdade de iniciativa não se trata apenas de um princípio institucional de direito empresarial ou econômico previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, representando também um direito subjetivo, isto é, direito a liberdade que não se distancia da liberdade de locomoção, pensamento, profissão, circulação, manifestação, dentre outros, todos cuja restrição jamais poderá comprometer-lhes o alcance.
Embora alguns autores defendam que a previsão constante no artigo 170 da Constituição Federal aponta para a ampla possibilidade da intervenção na economia e não somente em situações absolutamente excepcionais, não se deve esquecer que é através exercício do direito à liberdade que se obtém o desenvolvimento livre da personalidade humana, que por sua vez se trata do instrumento fundamental à consolidação do Estado Democrático de Direito.
O direito brasileiro, ao optar pelo regime capitalista, inseriu a livre iniciativa como princípio fundamental da Republica Federativa do Brasil. Por obvio, não se pode elevar o capitalismo adotado ao nível do liberalismo econômico existente nos séculos XIV e XX, pois na medida em que a preocupação crescente com a ordem social se tornou uma realidade, o Estado deixou de seguir um modelo puro de liberalismo para aceitar um modelo mais social.
Não por outro motivo que se visou o Estado Social e não mais o Estado Liberal, coadunando-se com os dizeres do professor Alexandre de Morais (2012, p. 849), no sentido de que “o sistema capitalista brasileiro encontra-se, no dizer do Celso Bastos, ‘temperado por graus diversos de intervenção do Estado, o que tem levado alguns autores a falarem na existência de uma forma de economia mista’”.
Nesse contexto, o princípio da livre iniciativa deve ser entendido no contexto de uma Constituição Federal que se preocupa com a Justiça Social, com a dignidade da pessoa humana e com o bem estar geral e coletivo. Contudo, as suas limitações devem ser justificadas por um valor constitucional relevante, isto é, valor que justifique colocar tal princípio em detrimento de um valor ainda maior, que deva ser protegido pelo direito.
Além disso, deve-se pautar pela ausência de meios menos onerosos para o caso concreto, sob pena de o legislador e até mesmo os operadores do direito, violarem o conteúdo essencial do preceito constitucional responsável pelo desenvolvimento do país e consequentemente responsável pela erradicação da pobreza e a promoção da dignidade da pessoa humana, fundamentos e princípios constitucionais.
Do contrário, estar-se-ia negando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; negando a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a redução da desigualdade social, objetivos constitucionais fundamentais que só podem ser garantidos através do desenvolvimento econômico, que por sua vez, só pode ser alcançado de forma democrática e através da garantia da livre iniciativa, leia-se, através da liberdade econômica.
A fim de permitir a continuação do raciocínio sobre o tema, convém esclarecer que a livre iniciativa não compreende apenas a empresa, também chamada de comércio ou indústria, mas também e como não poderia deixar de ser, os contratos, pois além de possuir indiscutível caráter constitucional, tem a função de regular as operações jurídicas da empresa, tornando-se indispensável a sua existência.
Portanto, trata-se o contrato do corolário da autonomia privada e visa a gestão dos interesses privados e à auto responsabilidade pelos atos praticados, bem como a baliza dos limites e justificativas da confiança tutelada no exercício do direito fundamental da livre iniciativa.
Destarte, a visão de contrato não é mais a decorrente da visão clássica, uma vez que, assim como a empresa, o contrato também se amoldou ao novo enfoque social proveniente do Estado Social e não mais do Estado Liberal.
Por outro lado, a visão moderna, na prática, tem trazido alguma insegurança para a atividade empresarial, haja vista que defende-se que no Estado Liberal a liberdade contratual passou a atingir um nível de unilateralidade, por meio d qual, via de regra, a parte economicamente mais forte impunha à outra, as condições da negociação e da contratação, atingindo uma condição de “pegar ou largar”, tornando-se necessária a socialização do contrato, por sua vez, trazida pelo Estado Social, a fim de que o interesse coletivo possa preponderar.
Com isso, não mais são aplicados de forma vinculada os princípios fundamentais do contrato, uma vez que o Estado Social não considera preceitos e princípios como a força obrigatória do contrato e a sua intangibilidade.
A partir dessa ideia, tem-se que as modificações trazidas pela concepção social em detrimento da liberal, decorreram da necessidade de que a autonomia da vontade não fosse utilizada como forma validar o poder do forte sobre o fraco, preservando a igualdade das partes, e sobretudo a real vontade delas e como ferramenta desse objetivo, permite-se em bem maior medida, a intervenção do Estado na livre iniciativa.
Não obstante, o que se vê na prática é que a visão moderna também trouxe a problemática de fragilizar o sistema contratual, pois em muitos casos não traz a igualdade entre as partes, mas sim fixa uma relação de hipossuficiência em favor de uma delas.
Verifica-se – após a celebração de alguns contratos sobre objeto jurídico lícito e possível, entre partes totalmente capazes e iguais, tomadas de vontade plenamente consciente – que por um simples arrependimento ou até mesmo pelo surgimento de outro negócio aparentemente mais atrativo, busca o Estado para a intervir no negócio, utilizando-se os preceitos trazidos pelo Estado Social, ainda que na realidade, o motivo da anulação ou nulidade pretendida, de fato em nada refira a questão social, mas tão somente no arrependimento e na intenção de se esquivar de cumprir com o pactuado.
É ilusório o pensamento de que a liberdade de iniciativa e suas especificações negociais fundamenta-se em conteúdo exclusivamente econômico, afinal, conforme dito alhures, a iniciativa privada contribui de forma definitiva para o desenvolvimento social e como consequência lógica à dignidade da pessoa humana, especialmente ao se considerar que o Estado não gera lucro.
Num contexto mais patente e menos profundo, pode-se dizer que, frequentemente, a liberdade humana é debilitada quando se está diante da extrema necessidade, remetendo-se o pensamento de que quanto maior for a proteção do Estado no tocante a dignidade, maior será a liberdade real, pois estaria então se garantindo a manutenção da vontade ao contratar.
Ocorre que, tal assertiva pode ser verdadeira quando se discute uma relação de consumo, por meio da qual, há de fato uma parte mais forte e que detém as ferramentas e a expertise necessárias para atingir a fraqueza da outra, parte mais fraca, ou ainda, podendo-se até mesmo criar um cenário que faça parecer que há uma situação de extrema necessidade.
Entretanto, o mesmo não poderá ser dito em relação a uma contratação empresarial, através da qual, há – na maioria dos casos – o suporte, apoio e o acompanhamento de profissionais qualificados, seguidos de vários estudos de viabilidade financeira, negocial e principalmente sobre o retorno. Não há hipossuficiência aqui.
Nesse contexto, ao passo que a função social do contrato possibilita a equiparação ou ainda a aproximação de uma contratação empresarial ao nível de uma contratação em que se prepondera uma relação de consumo, sob o prisma de que o Estado deve intervir nessas relações jurídicas para que não se tornem excessivas para uma das partes, colocar-se-á em risco a atividade econômica, e em larga escala, toda a economia e consequentemente o desenvolvimento do país, que fatalmente impactará na dignidade da pessoa humana, bastando ver a péssima qualidade de vida e a falta de dignidade experimentada pela população de alguns países de pouco desenvolvimento.
Em contrapartida, não se pode olvidar que a liberdade contratual, apesar de um direito fundamental, deve em alguma medida ceder a outras liberdades mais importantes, afinal, a liberdade de contratar não é mais importante que outras liberdades, tais como a de pensar, de se alimentar, de morar, dentre outras, devendo é claro o aplicador da lei, diante de um conflito entre princípios, utilizar-se da ponderação, sem confundi-la com o ativismo judicial.
Conforme brilhantemente ensina Carlos Roberto Gonçalves sobre a questão até então apresentada, especialmente no tocante ao pensamento moderno trazido pelo Estado Social:
O Código Civil de 2002 procurou afastar-se das concepções individualistas que nortearam o diploma anterior para seguir orientação compatível com a socialização do direito contemporâneo. O princípio da socialidade por ele adotado reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana (GONÇALVES, 2012, p. 24).
Ainda sobre o mesmo tema, complementa:
Com efeito, o sentido social é uma das características mais marcantes do novo diploma, em contraste com o sentido individualista que condiciona o Código Beviláqua. Há uma convergência para a realidade contemporânea, com a revisão dos direitos e deveres dos cinco principais personagens do direito privado tradicional, como enfatiza Miguel Reale: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador (GONÇALVES, 2012, p. 24).
Afinal, o que pretende dizer o autor? Quer dizer que o Código Civil de 2002 nos trouxe a função social do contrato, que a bem da verdade se trata de um limite à liberdade de contratar, conforme verificamos pelo próprio dispositivo legal: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (artigo 421 do Código Civil).
O dispositivo em epígrafe tem a função de subordinar a liberdade contratual à sua função social, fazendo prevalecer os princípios condizentes com a ordem pública e com o interesse social.
Por isso mesmo é que a concepção social do contrato, além de se apresentar, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual, guarda intimide com o princípio da função social da propriedade, previsto na Constituição Federal e que tem por escopo promover a relação de justiça e a erradicação das desigualdades entre os contraentes.
Ocorre que, diferentemente do que sustenta alguns autores, a função social não exclui os princípios tradicionais, como o da autonomia da vontade, mas se alia a eles, com o viés principal de garantir que a vontade tenha existido, assim como, garantir que o contrato não fira a probidade e a boa-fé objetiva.
Nesse sentido, cabe destacar que a função social do contrato, ora em estudo, faz exigir um comportamento adequado com a liberdade de todos, vedando que os contraentes tudo possam, ferindo com isso, até mesmo, direitos de terceiros ou da sociedade, pois toda vez que o contrato inibe o movimento natural dos negócios jurídicos, prejudicando os demais integrantes da coletividade, estar-se-á atentando contra a sua função social.
Com isso, percebe-se que a função social do contrato tem um fim maior do que a mera relação entre as partes, ou seja, promove a verdadeira liberdade ao garantir que a vontade dos contraentes não prejudique os direitos de toda uma coletividade livre.
A esse respeito, nos ensina Fábio Belote Gomes:
No universo jurídico parte-se do princípio que todo contrato tenha uma função a cumprir na sociedade, de modo que, quando desvirtuada essa finalidade pela ação de uma das partes em relação à outra, a função social da deve imperar sobre a liberdade de contratar.
Por outro lado, não se deve confundir a natureza do instituto, a fim de utilizá-lo para o benefício próprio e para promover a instabilidade das negociações ou ainda, para excluir da teoria dos contratos o princípio da obrigatoriedade, que ao contrário de que muitos juristas defendem, ainda está em plena vigência, senão vejamos uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a respeito do tema:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING CENTER. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 54 DA LEI DE LOCAÇÕES. COBRANÇA EM DOBRO DO ALUGUEL NO MÊS DE DEZEMBRO. CONCREÇÃO DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA. NECESSIDADE DE RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA OBRIGATORIEDADE (“PACTA SUNT SERVANDA”) E DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS (“INTER ALIOS ACTA”). MANUTENÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS LIVREMENTE PACTUADAS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Afastamento pelo acórdão recorrido de cláusula livremente pactuada entre as partes, costumeiramente praticada no mercado imobiliário, prevendo, no contrato de locação de espaço em shopping center, o pagamento em dobro do aluguel no mês de dezembro. 2. O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia. 3. Concreção do princípio da autonomia privada no plano do Direito Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da função social da empresa. 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(STJ – REsp: 1409849 PR 2013/0342057-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 26/04/2016, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/05/2016).
Concluindo, uma vez que o contrato cumpra a sua função social, fará lei entre as partes e assim deve ser.
Conforme dito anteriormente, não há como falar em liberdade de empresa sem falar em liberdade contratual, pois é por meio dos contratos que as empresas realizarão as suas atividades, sendo ele o responsável pela fixação das responsabilidades, obrigações, limitações, etc.
O direito contratual, por sua vez, rege-se por diversos princípios e dentre os modernos e tradicionais, os mais importantes são os da Autonomia da Vontade, da Obrigatoriedade, do Consensualismo e da Boa-fé.
Há, portanto, outros princípios muito importantes, tais como os da Supremacia da Ordem Pública, da Relatividade dos Efeitos, da Revisão ou Onerosidade Excessiva, dentre outros, porém não os abordaremos nesse capítulo, tendo em vista que a parte inicial do presente trabalho já trouxe, de forma geral, o conceito, o reflexo e impacto desses princípios nas relações jurídicas modernas.
Pois bem, um dos princípios que revelam em maior medida a liberdade do ser humano é o princípio contratual da autonomia da vontade, pois está alicerçado exatamente na ampla liberdade contratual, na possibilidade, ou melhor dizendo, no poder livre dos contratantes de disciplinar e regular os seus interesses privados mediante um acordo de vontades, podendo celebrar contratos nominados ou através de combinações, dar origem a contratos inominados, respeitando é claro as regras do direito e sem prejudicar direitos de terceiro, sempre observando a boa-fé e as práticas de boa conduta boas.
Conforme nos ensina Gonçalves (2012, p. 41):
Esse princípio teve o seu apogeu após a Revolução Francesa, com a predominância do individualismo e a pregação da liberdade em todos os campos, inclusive no contratual. Foi sacramentado no art. 1.134 do Código Civil Francês, ao estabelecer que “as convenções legalmente constituídas têm o mesmo valor que a lei relativamente às partes que a fizeram”.
É possível perceber pelo fragmento acima que, desde o Código Civil Francês, o contrato fará lei entre as partes. No entanto, não podemos deixar de observar que o dispositivo legal usou a expressão “convenções legalmente constituídas”, o que nos remete a obrigatoriedade de o contrato estar de acordo com a lei, ou melhor, com todo o ordenamento jurídico.
Já no ordenamento jurídico brasileiro atual, a liberdade contratual e sua limitação estão previstas no artigo 421 do Código Civil já comentado: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Nada obstante, o mesmo diploma, em seu artigo 425 preceitua que: “É lícito às partes estipular contrato atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste código”.
Por fim, nota-se que o princípio visa a liberdade humana que tradicionalmente, desde o direito romano, as pessoas contaram com a liberdade de contrata ou melhor, liberdade que garante o direito de contratar se quiserem, sobre o que quiserem e com quem quiserem, melhor dizendo, o direito de contratar e não contratar, de escolher a outra pessoa contraente, bem como estabelecer o objeto a ser contratado, tudo isso desde que em conformidade com o ordenamento jurídico.
No tocante ao princípio da obrigatoriedade, também denominado princípio da intangibilidade dos contratos, pode-se dizer que representa a força vinculante das convenções. Por esse motivo é também chamado por alguns doutrinadores e juristas de princípio da força vinculante dos contratos.
Trata-se basicamente de um princípio corolário da autonomia da vontade, uma vez que a ordem jurídica concede a cada um a liberdade de contratar, de modo que, os que o fizerem e sendo a convenção válida e eficaz, deve cumpri-lo, não podendo se furtar de quaisquer maneiras para se esquivar da consequência, exceto pela anuência do outro contratante.
O princípio em tela tem por fundamento a necessidade de segurança nos negócios, que deixaria de existir caso um dos contraentes pudesse deixar de cumprir o que fora pactuado, gerando desordem e caos, atentando assim contra a própria natureza dos contratos (dar proteção às relações jurídicas).
Contudo, há uma limitação legal expressa ao aludido princípio que é a escusa por caso fortuito ou força maior, insculpida no artigo 393 e parágrafo único do Código Civil vigente.
Em consonância com os princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade está o princípio do consensualismo, decorrente de uma concepção moderna de que o contrato é resultado do consenso, logo, do acordo de vontades e independe da entrega da coisa.
Dessa forma, de acordo com o princípio em comento, basta para o aperfeiçoamento da convenção, o acordo de vontades, contrapondo-se ao formalismo e ao simbolismo que vigoraram no passado.
Nesse sentido, Carlos Alberto Bittar, apud Gonçalves (2012, p. 46) preceitua que:
Sendo o contrato corolário natural da liberdade e relacionado à força disciplinadora reconhecida à vontade humana, tem-se que as pessoas gozam da faculdade de vincular-se pelo simples consenso, fundadas, ademais, no princípio ético do respeito à palavra dada e na confiança recíproca que as leva a contratar. Com isso, a lei deve, em princípio, abster-se de estabelecer solenidades, formas ou fórmulas que conduzam ou qualifiquem o acordo, bastando por si para a definição do contrato, salvo em poucas figuras cuja seriedade de efeitos exija sua observância (como no casamento, na transmissão de direitos sobre móvel).
Não se pode olvidar que a necessidade de segurança em algumas relações jurídicas levou hodiernamente o legislador a criação de algumas exigências materiais em algumas modalidades de contratação, subordinadas ao formalismo, como por exemplo a elaboração de instrumento inscrito para a venda de veículos automóveis, a obrigação de registro da compra/venda de imóvel perante o Cartório de Registro de Imóveis, para que as negociações sejam dotadas de eficácia real e também a imposição de registro da alienação fiduciária em garantia.
Demais disso, em regra, no direito brasileiro a forma é livre, ou seja, as partes podem celebrar o contrato por escrito, público ou particular ou até mesmo verbalmente, exceto nos casos em que a lei, visando a maior segurança das partes e visando evitar a desordem social, exija forma escrita, pública ou particular.
Em conclusão, pode-se dizer que o formalismo é a exceção, enquanto o consensualismo, a regra.
Como não poderia ser diferente, há de se falar no princípio da boa-fé e da probidade, afinal, não há liberdade, tampouco real vontade quando uma das partes coloca a outra em posição de ser enganada, da mesma forma, não há segurança jurídica, o que colocaria toda a sociedade em situação de prejuízo.
Preceitua o artigo 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.
Tal princípio faz exigir que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas, mas também durante a formação, o cumprimento e a execução do contrato celebrado.
Embora a boa-fé deva sempre ser presumida pelo aplicador da lei, enquanto a má-fé deva ser comprovada, trata-se de uma cláusula geral para a aplicação do direito obrigacional, permitindo a solução da lide levando-se em consideração fatores metajurídicos e princípios gerais de direito.
Nessa ótica, fornece ao juiz um novo instrumental que vai além dos princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade. A bem da verdade, trata-se de um instrumental ao julgador no sentido de constar se a vontade imperou na convenção ou se alguma das partes, furtando-se de má-fé ou falta de ética e honestidade, atingiu a celebração do pacto colocando a outra em prejuízo.
O referido princípio se subdivide em boa-fé subjetiva, também conhecido como concepção psicológica da boa-fé, e boa-fé objetiva, também chamada de concepção ética da boa-fé.
De acordo com Gonçalves, a boa-fé subjetiva:
Esteve presente no Código Civil de 1916, com a natureza de regra de interpretação do negócio jurídico. Diz respeito ao conhecimento ou à ignorância da pessoa relativamente a certos fatos, sendo levada em consideração pelo direito, para os fins específicos da situação regulada. Serve à proteção daquele que tem a consciência de estar agindo conforme o direito, apesar de ser outra realidade (GONÇALVES, 2012, p. 55).
Já a boa-fé objetiva:
Constitui um modelo jurídico, na medida em que se restes de variadas formas. Não é possível catalogar ou elencar, a priori, as hipóteses em que ela pode configurar-se, porque se trata de uma norma cujo conteúdo não pode ser rigidamente fixado, dependendo sempre das concretas circunstâncias do caso. No entanto, essa imprecisão se mostra necessária, num sistema aberto, para que o intérprete tenha liberdade de estabelecer o seu sentido e alcance em cada caso (GONÇALVES, 2012, p. 57).
Em resumo, a boa-fé subjetiva vai tratar da consciência da parte contraente de estar agindo com eticidade e honestidade na relação jurídica.
A boa-fé objetiva, por sua vez, vai vedar os atos contraditórios (venire contra factum proprium); vedará que um direto não exercido durante um determinado lapso de tempo, intencionalmente, para se obter alguma vantagem indevida, seja exigido (supressio); protegerá o nascimento de um direito decorrente da prática continuada e intencionalmente, pelas partes, de certos atos durante o cumprimento do contrato (surrectio); proibirá de que uma parte se valha da própria torpeza ou faça com a outra o que não faria para si mesmo (tu quoque); imporá o dever de mitigar as próprias perdas (duty to mitigate the loss), dentre outros.
É inegável que não se deve permitir que as partes detenham o poder absoluto de contratar sem qualquer intervenção existente.
Não obstante, a intervenção deliberada do Estado, revestido de forte visão social, no princípio fundamental da livre iniciativa, na liberdade de empresa e de contratar, pode trazer séria fragilidade às relações jurídicas e consequentemente, impactar no princípio da dignidade humana e demais princípios fundamentai de liberdade que estão ligados direta ou indiretamente ao desenvolvimento do país.
Devemos, portanto, diferenciar os contratos conforme a sua natureza e conforme as partes contratantes, devendo o Estado intervir com mais rigor, se for o caso, nas relações em que há hipossuficiência, como por exemplo nas relações de consumo.
Do contrário, deverá se abster da intervenção, fazendo-se prevalecer a vontade das partes, desde que a celebração observe e se coadune com o ordenamento jurídico e não coloque terceiros ou a sociedade em prejuízo.
Para facilitar a conclusão deste raciocínio, cabe utilizarmos um exemplo prático.
Imaginemos uma empresa que resolva adquirir uma outra empresa por um preço bem atrativo, justamente por conhecer, através da transparência da outra parte contraente e após a diligências, os seus vícios e defeitos, mas ainda assim, entenda ser viável o negócio e conhecendo os riscos, decide contratar voluntariamente.
Passado um período, a parte contraente se arrepende do negócio por questões subjetivas, ainda que não tenha havido qualquer prejuízo fora do esperado, busca o Estado-juiz para anular o negócio, sustentando que desconhecia os mínimos de talhes da convenção e que fora colocada em prejuízo ou excessividade.
O Estado, por sua vez, aplicando conceitos modernos do Estado Social em detrimento do Estado Liberal, decida anular o negócio, como se tivesse havido qualquer relação jurídica de hipossuficiência, quando na verdade, a parte reclamante apenas se utilizou do sistema jurídico para se esquivar de cumprir com a sua obrigação.
Foi possível verificar a ocorrência de diversas situações dessa natureza durante o período pandêmico criado pela COVID-19, de modo que muitos contratantes buscaram o Estado para reduzir as suas obrigações contratuais, sem que efetivamente estivesse sofrendo prejuízos ou excessividade, mas apenas por conhecerem outros casos em que se colocou uma das partes em prejuízo em detrimento da outra, por entender que havia maior capacidade financeira entre uma delas e que, portanto, deveria suportar tal prejuízo em nome do caráter social.
Ocorre que, nesses casos houve o fortalecimento não da igualdade entre as partes, mas sim da desigualdade e da falta de garantia da ética, honestidade e probidade que deve imperar na atividade empresarial.
Faz-se mister reconhecer a importância dos princípios modernos e sociais, porém não se deve descartar os clássicos, devendo sempre integrá-los em busca da verdade real, fazendo-se com que o acordado somente deixe de ser cumprido numa hipótese de caso fortuito, força maior ou que atente contra direitos de terceiro ou da sociedade
Afinal, não há liberdade que se preste a violar direito de terceiro ou direito da coletividade.
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GOMES, Fábio Bellote. Manual de Direito Empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
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NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Empresarial. 11ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
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